quinta-feira, 28 de junho de 2012

A MALDIÇÃO DE JOÃO GILBERTO

Sehnsucht é a palavra alemã para anseio. Ela se aplica tanto ao passado, contexto em que se pode traduzi-lá por saudade, como ao presente ou ao futuro, caso em que designa um desejo ardente pelo que é, no fundo, inatingível”, diz a sinopse de Ho-ba-la-lá (à procura de João Gilberto), do jornalista alemão Marc Fischer, lançado pela Companhia das Letras

A missão do autor não era nada fácil, para não dizer impossível. Acompanhado apenas de um violão centenário, deixa para trás Berlim e uma paixão, para encontrar, no calor do Rio de Janeiro, sua outra paixão: a Bossa Nova. E mais do que isso, encontrar também João Gilberto, a quem pediria uma única coisa: que tocasse Hô-bá-lá-lá, a canção que mudou sua vida e o fizera viajar até ali. Esse é o ponto de partida de um instigante e divertido relato, escrito na melhor tradição das tramas de detetive, em que Fischer e sua assistente brasileira Rachel seguem inúmeras pistas em busca do mais inacessível artista brasileiro.

Para chegar ao atual paradeiro do ídolo, Marc Fischer precisa voltar no tempo e montar um quebra-cabeça a partir de depoimentos de pessoas que convivem ou conviveram com o músico: expoentes da Bossa Nova, como Miúcha, João Donato, Marcos Valle, Joyce e Roberto Menescal; a jornalista Claudia Faissol, com quem João teve uma filha; e o cozinheiro Garrincha, que por cinco anos preparou um dos pratos preferidos do baiano radicado no Rio. A investigação também leva o “detetive” a Diamantina, em Minas Gerais, onde, há mais de meio século, João Gilberto se refugiou e desenvolveu seu estilo, literalmente, na privada.

De certa forma, Ho-ba-la-lá remete a outra obra, também alemã, Cabeça de Turco, clássico do jornalismo literário de Günter Wallraff, talvez pelo afinco dos autores em ir até as últimas consequências para aplacar seus anseios: Wallraff, de denunciar o tratamento desumano dado aos imigrantes em seu país; Fischer, de encontrar o coração da beleza.

Por fim, uma fatalidade marcou a publicação de Ho-ba-la-lá na Alemanha. A poucos dias do lançamento, em abril de 2011, Marc Fischer cometeu suicídio. Roberto Menescal havia alertado: “Ele [João Gilberto] muda as pessoas com quem tem contato. É capaz de você se tornar um amaldiçoado para todo o sempre”. Seria Fischer mais uma vítima da “maldição” do pai da Bossa Nova?